22 setembro, 2008

Wall Street - O triste fim de uma era gloriosa

Marcello Hallake

Até pouco tempo atrás, poucos profissionais em Nova York eram vistos com mais prestígio e glamour do que os "banqueiros de investimento". Praticamente apenas atores de cinema, super modelos ou campeões de tênis chamavam mais atenção. Qualquer jovem ambicioso querendo "ser alguém" nesta cidade, fora da Broadway, tentava obter um MBA em uma grande universidade para ter a chance de algum dia trabalhar em um dos ilustres bancos de investimento de Wall Street, onde se desenhavam e se realizavam as grandes operações de fusões e aquisições e da engenharia financeira internacional. Incrivelmente, depois de quase 200 anos de glória, as últimas dessas tão tradicionais instituições financeiras, descendentes indiretas ou discípulas modernas de alguns dos grandes gênios da finança internacional, como N.M.Rothschild, S.J. Warburg, J. Pierpont Morgan e Jacob Schiff, se já não quebraram ou foram vendidas às pressas nos últimos dias, estão ameaçadas de extinção pelo verdadeiro furacão originado pela crise hipotecária americana.

Depois da Grande Depressão de 1929, os bancos americanos foram divididos em duas categorias pela lei Glass-Steagal de 1933: os bancos comerciais, que recebiam depósitos e emprestavam dinheiro, regidos por uma rígida regulamentação que procurava proteger o dinheiro de seus clientes, e os bancos de investimento, como Lehman Brothers, Merrill Lynch e Bear Stearns, que compravam e vendiam títulos e aconselhavam seus clientes em operações de investimento, sem receber depósitos, o que justificava que estes últimos fossem menos regulamentados que os bancos comerciais, permitindo-os tomar mais riscos e, portanto, gerar mais riqueza para seus donos. Dos cinco grandes bancos de investimento independentes que dominavam Wall Street ainda no início deste ano, sobram, até o momento de escrever estas linhas, e sem se saber por quanto tempo mais, apenas dois – Goldman Sachs e Morgan Stanley. Bear Stearns foi comprado pelo JP Morgan Chase, em uma operação orquestrada pelo governo americano alguns meses atrás para evitar a quebra do banco. Esta semana, Lehman Brothers, detentor de mais de 600 bilhões de dólares em ativos (mais que o PIB da Argentina!), pediu concordata depois da recusa pelo governo americano em garantir seus prejuízos, o qual alegou que a possível quebra de Lehman não ofereceria os mesmos "riscos sistêmicos" à arquitetura financeira americana (depois do seu pedido de concordata junto ao juízo de falências de Nova York, Lehman deverá ser parcialmente comprado pelo banco inglês Barclays). A mensagem do governo parecia ser, apenas duas semanas após a estatização das gigantes hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, ao custo de 200 bilhões de dólares, que o Tio Sam havia resolvido colocar alguns limites ao processo de nacionalização dos bancos americanos, mesmo tendo concordado, dois dias depois, em fornecer um empréstimo-investimento de 85 bilhões de dólares à seguradora American International Group (AIG), esta sim, ameaça iminente ao sistema financeiro internacional. E o Merrill Lynch, ícone de Wall Street, cujo logo, o touro, é sinônimo de um mercado sempre ascendente e confiante, ao ver o que havia acontecido com Lehman, se jogou nos braços do Bank of America, que desistiu de comprar o Lehman quando percebeu que o governo não estava blefando ao insistir que não garantiria seus prejuízos, e no mesmo fim de semana, já chamado de Domingo Negro, comprou o Merryll Lynch por 50 bilhões de dólares.

Após a abolição da velha lei Glass-Steagal, em 1999, os bancos comerciais, como o Bank of America, foram autorizados a comprar bancos de investimento, como Merrill e Lehman. Durante os últimos anos, os bancos comerciais repassavam seus créditos (imobiliários e outros) aos bancos de investimento, que se aproveitavam das taxas de juros baixíssimas mantidas após o 11 de setembro de 2001 e do laxismo da regulamentação, para emprestar bilhões de dólares e reestruturar esses créditos na forma de títulos complexos, revendendo-os a investidores (hedge funds e outros) com ágio. Com a brutal queda dos preços do mercado imobiliário, e recentemente de quase todos os instrumentos de crédito, os valores dos ativos desses bancos despencaram, e deu no que deu. Apesar do grande prestígio e excelente reputação no mercado, Morgan Stanley e Goldman Sachs, os dois últimos sobreviventes, têm agora praticamente duas opções: serem vendidos para um banco comercial altamente capitalizado, no modelo da compra do Merrill Lynch pelo Bank of America, voltando à era pré-1929 e ao velho sistema de receber depósitos e emprestar dinheiro (esta parece ser a solução que Morgan Stanley vai procurar) ou abandonar algumas de suas atividades, como a corretagem de títulos, se assemelhando mais aos hedge funds ou aos private equity funds. Este último modelo poderia ser o futuro do Goldman Sachs.

Quem conhece um pouco Wall Street e tem boa memória, sabe que da mesma maneira que as quedas costumam ser brutais e cataclísmicas, os bons momentos também sempre vêm com seus excessos, e muitas vezes, de um dia para o outro. Não há dúvidas de que, mais cedo ou mais tarde, os engenheiros da finança estarão de volta, em outras formas e com outros nomes. Mesmo assim, não deixa de ser triste ver instituições tão antigas e tradicionais desaparecerem desta maneira, e, em muitos casos, ao custo dos contribuintes americanos.

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