20 novembro, 2007

Não se perde a liberdade de uma só vez

Paulo Guedes
O Globo 19/11/2007



É respeitável o esforço de Hugo Chávez em sua tentativa de criação de uma sociedade "bolivariana". São compreensíveis sua impaciência com antigos colonizadores e seu desprezo por uma elite política local que falhou na remoção da miséria.

Afinal, registra o economista sueco ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1974 Gunnar Myrdal, em seu provocante livro "Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas" (1956), "como expressão de um ideal, a doutrina da igualdade entre os seres humanos merece nosso pleno apoio. Neste mundo que se caracteriza há séculos por grosseiras desigualdades e dominado por interesses que procuram preservá-las, manifestando-me a favor do ideal da igualdade de oportunidades, apenas me alinho às aspirações morais da civilização ocidental".

Myrdal atenuaria o incidente de Chávez com o rei Juan Carlos na Cúpula Ibero-Americana: "O acesso de governos de países pobres à tribuna das várias organizações internacionais garante a propagação de um fato perturbador: a miséria dos pobres se apresenta aos ricos como ameaça à sua própria segurança. Creio que a função mais importante dessas organizações nesta fase da História mundial é propiciar aos países pobres a oportunidade de expressar sua insatisfação."

Myrdal se tornou notável por sua denúncia das tendências de agravamento das desigualdades inerentes aos processos econômicos e sociais. Mas destacava também sua outra principal premissa ou juízo de valor: o princípio de adesão à democracia política. "Por toda parte, a conquista da democracia provoca a demolição gradual da ignorância."

Portanto, torna-se também oportuna a clássica advertência do outro ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1974, Friedrich A. Hayek, em "O caminho da servidão" (1944), que dedicou "aos socialistas de todos os partidos", sem nenhum traço de ironia.

"A conciliação do socialismo com os métodos democráticos pertence ao mundo das utopias.
Socialismo não é o caminho para a liberdade, e sim para ditaduras a favor e contra. Um caminho para a guerra civil da mais furiosa espécie. A ascensão do nazismo e do fascismo não foi apenas uma reação contrária às tendências socialistas do período precedente, e sim uma conseqüência dessas tendências. A transição do socialismo ao nacional-socialismo ou ao fascismo foi inevitável."

"É um erro considerar o totalitarismo um movimento irracional, sem alicerces intelectuais. Nada é mais distante da verdade. É o ápice de um longo processo evolucionário. Na Alemanha antes de 1933 e na Itália antes de 1922, comunistas e nazi-fascistas se chocavam entre si com maior freqüência do que com outros partidos. Competiam pelo mesmo tipo de mentes, dedicando ao antagonista o ódio reservado aos hereges. Representando pólos opostos no aparente espectro político, eram apenas as duas faces das mesmas tendências totalitárias."

Lembrando que nos tornamos mais sábios "quando reconhecemos que muito do que já fizemos foi insensato", Hayek recorre ao filósofo David Hume para formular o alerta: "É muito raro que a liberdade seja toda perdida de uma só vez."

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