13 junho, 2007

O Bonapartismo-Vaselina (Jabor - 12/06/07)

Muita gente pensa: ‘Por que o Jabor está criticando o Lula? O governo está aparentemente funcionando. A inflação não voltou. Não há crises, a não ser os escândalos no Parlamento e de empreiteiros. Os juros baixaram mais um pouco. A produção industrial vai bem. Que mania de implicar com o Lula…'

Não critico o que ele está fazendo. Mas, critico-o, sim, pelo que ele poderia estar fazendo e não faz.

Lula assentou-se no poder e decretou tacitamente que está tudo bem, que o Brasil está indo para a frente. Ele não quer atrapalhar sua chance deslumbrada de governar ‘numa boa’, sem marolas e sem aporrinhações. Ele quer curtir seu mandato, com calma, luxo e volúpia, como um estadista sueco ou dinamarquês. Para ele, tudo navega na normalidade. Ele não é nem regressista como queriam os bolchevo-dirceuzistas que o cercavam e que ele teve a sorte de perder. Ele é conservador mesmo. Apoiado na estabilidade econômica que a política de FHC lhe legou, navegando na bonança da economia mundial, não fez reforma nenhuma complementar que o Plano Real demandava, demonizou e abriu mão de privatizações urgentes, e ficou se contentando com lugares-comuns de estadistas democratas como ‘quem errar deverá ser punido…’ ou ‘cada país tem seu nariz… se Chávez acha que deve fechar a TV, problema dele…’ Aceita a tutela do PMDB e usa uma linguagem com resquícios de esquerda, exala uma tranqüilidade britânica e vai saboreando as delícias de seu mandato, acima das mesquinharias da política real, como se vivesse acima de nós.

Suas ações de governo são planos que ainda não saíram do papel, como o fabuloso PAC, empacado, e que já ia começar infestado pelas traças dos‘zuleidos’ que os aliados protegem, já preparando novas pontes para o nada e escuridões para todos. Nada se faz e tudo se promete. Ele tem alguns ministros bons, como o Hadad, o Meirelles, o ministro da Saúde, a Dilma que trabalha feito uma leoa, mas nada aparece. O Estado não tem dinheiro para executar nada, pois as reformas não se fizeram. Os cortes das despesas públicas não foram feitos. Ao contrário, aumentaram. Há mais de 100 mil contratados. As coisas não se concretizam. Já estamos assim há cinco anos.

Não é que ele esteja fazendo desmandos, ou cometendo os vergonhosos depoimentos que deu durante a crise dos mensalões. Não. Mas, sinto um desânimo de criticar ou denunciar qualquer coisa. Penso em ligar para outros colunistas e perguntar: ‘E aí, Dora Kramer, você está sentido o quê? E aí, Merval Pereira? Você não está com gosto de cabo de guarda-chuva na boca?

Afinal, qual é o projeto do lulismo? Talvez eles respondam: ‘União de todos para o bem da imagem do Lula em nossa história.’ Só.

O lulismo esvazia nossa indignação, nossa vontade de crítica, de oposição. Para ser contra o que, se ele é ‘a favor’ de tudo? Há uma calma no Lula que nos anestesia. Há uma normalidade no ar que inquieta, sinistra como o prenúncio de tempestade, que virá para o próximo governante. Lula não erra, porque não faz nada. Ostenta uma sensatez equânime, sempre que instado pelos ansiosos que querem mudanças, providências… Nada o comove. Só se comove consigo mesmo, com a própria origem operária. Aí, chora.

Lula desmoralizou os escândalos, vulgarizou as alianças, subverteu tudo, inclusive a subversão. Os comunas xingam-no ‘na moita’, pois estão todos bem empregadinhos. E nós estamos aprendendo a querer pouco.

Lula se apropriou da ‘cordialidade’ tradicional para esvaziar resistências. Ele põe qualquer chapéu. Ele é ecumênico: todas as religiões podem adorá-lo.

E aí? Como nomeá-lo? Não sei, mas acho que estamos assistindo a uma nova forma de bonapartismo. O bonapartismo tradicional representa uma concepção de poder vertical, em torno de uma liderança carismática, cuja legitimidade se funda numa vontade do povo do qual ele seria o representante, acima dos políticos. Em geral, isso leva a autoritarismos, como em Perón, Alvarado, e mesmo Chávez, que é mais um ditador fascista.

Mas, Lula não é autoritário como foi, digamos, Napoleão III. Mas, Lula aos poucos, secretamente, talvez até sem ter consciência (eu concedo), se beneficia da lama do Legislativo que vai consolidando sua liderança ‘pura’ e solitária, acima de suspeitas, mesmo se o irmão rouba ou o filho fica rico.

Mas, tudo isso ele faz com seus sorrisos de covinhas, com sua imensa simpatia. Lula nos faz crer em uma normalidade institucional, através de seu poder carismático que anula a oposição e tira a identidade da situação.

Ele respeita os privilégios da burguesia financeira, não faz as urgentes reformas capitalistas, como privatizações, concessões de estradas, aeroportos, e mantém o proletariado no cabresto das bolsas assistencialistas.

Estamos assistindo a um bonapartismo de manteiga, a um bonapartismo de vaselina. Em vez de Napoleão III, que desceu o pau no blanquismo em 1851, a esquerda de Lula se desfez sozinha, tanta é sua sorte. E em seu lugar ficou um sindicalismo pelego e satisfeito. E estamos assim. A crença em qualquer punição acabou. O cinismo se instalou. Os crimes do Congresso ficarão sob seu beneplácito de superaliado. Lula não lutará contra nada. A reforma política não virá, reforma nenhuma virá. O fim da Comissão de Orçamento não virá. As emendas individuais ou de guarda-chuva não acabarão jamais. Ele não lutará por sua extinção, razão maior de nossas roubalheiras endêmicas. Tudo se resolverá sozinho, ele parece dizer. Acabou a Oposição que não sabe mais a que se opor. A Situação não tem cara, não tem identidade.

E no meio, só ele, um messias sem programa, um messias de si mesmo. O que dói é imaginar o que Lula poderia fazer, com maioria no Legislativo e este oásis econômico mundial.

Chego a ansiar por uma crise… juro… Coitado do próximo governante…

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