16 agosto, 2006

Tarso Genro em dose tripla (por Augusto Nunes)

O advogado tem pouca estima por leis.O político acha que feio é perder. O companheiro nunca morreu de amores pela democracia burguesa. Sempre que se dá a fusão dessas três encarnações de Tarso Genro, fenômeno registrado com perigosa freqüência, a normalidade constitucional soluça.

Em janeiro de 1999, dias depois do começo do segundo mandato de Fernando Henrique, Tarso decidiu que o melhor para o país seria a deposição do presidente reeleito. "Fora FHC!", berrou Tarso Genro. Seria esse o refrão da aventura golpista, que durou pouco e deu em nada. Mas Tarso não se emendou. Aparentemente, o bom prefeito de Porto Alegre, derrotado em 2002 na eleição para governador, deixou os escrúpulos no Rio Grande para cair na vida federal.

Primeiro no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, depois no Ministério da Educação, agora na secretaria da Coordenação Política, sempre foi, acima de tudo, ministro de Lula. (Além de amigo de infância, claro. Quem não é?). "Se a elite conservadora tentar o golpe contra o governo popular, vamos mobilizar os movimentos sociais", vem recitando Tarso há quase um ano, desde que o Pântano do Planalto se acercou do coração do poder.

Tradução: se a oposição parlamentar propuser o impeachment do presidente da República, os companheiros baderneiros terão inteira liberdade para delinqüir. O Brasil captou as reais dimensões da mensagem só recentemente, ao acompanhar a performance de Bruno Maranhão na invasão do Congresso. Único revolucionário do planeta sustentado pela mesada da mãe, Maranhão mostrou ao país, no comando das tropas do MSLT, o que significa "mobilização de movimentos sociais".

O general invasor é amigo de fé. Tanto assim que topou sair sem barulho da executiva nacional do PT. Tudo pela reeleição, gritou em silêncio o sacrifício do bravo pernambucano. Tudo pela reeleição, reiterou há dias outra esperteza do gaúcho de Santa Maria.

Neste fim de julho, o tríplice Tarso se misturou ao ministro que faz o que pode (e o que não deve) para manter-se pendurado na nomenklatura. De novo, sobrou para a ordem democrática: Tarso Genro quer, ou finge querer, espancá-la com a convocação de uma Assembléia Constituinte incumbida de promover a reforma política.

O bacharel pelo menos desconfia de que a proposta é inconstitucional. Subordinou-se ao caçador de votos concentrado nas urnas de outubro e ao companheiro pouco interessado em filigranas legalistas. E ganhou mais pontos com Lula, que sempre escreveu Constituição com minúscula.

Aquela jogada, argumentou o ministro sabido, daria ao eleitorado a impressão de que o governo efetivamente deseja reduzir a bandalheira no Congresso.

Lula gostou do que ouviu. No dia seguinte, a dupla se alegrou: o truque funcionara. Boa parte da imprensa caíra na armadilha. O factóide insustentável virou manchete de jornal. Colunistas companheiros apoiaram a fantasia golpista. Multidões de brasileiros acreditaram que ali podia estar a saída: com o Congresso reduzido a viveiro de sanguessugas, por que não confiar atribuições constituintes a mãos honradas?

Como se o governo Lula não tivesse nada a ver com o milagre da multiplicação dos patifes. Como se o PT não estivesse em adiantado estado de decomposição. Como se o presidente cultivasse algum apreço pela ética. Como se ao Planalto parecesse relevante uma reforma que sempre evitou.

Como se o Brasil fosse uma nação de idiotas.

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